Jason Pio Bandeira, Poeta

Jason Pio Bandeira, Poeta

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Apresentação

Este blog foi criado para divulgar os poemas de Jason Pio Bandeira (1902-1997). Serão postados para apreciação e comentários do público. Na medida do possível, tentarei postar todos os poemas manuscritos, datilografados e publicados pelo autor, tanto em jornais quanto no livro próprio de poemas intitulado "Emoções", editado em 1927, sob o heterônimo de Torres Mendalva, no qual o próprio prefácio define o que foi o trabalho de meu avô-poeta: "Bons ou maus, os meus versos são, entretanto, sinceramente, gerados do suave, tumultuoso e rítmico influxo que vem do coração".


EMOÇÕES


Aos embates da vida, o desengano,
As dores, os martírios e os pesares,
Geraram no meu peito bom e humano,
Furores de procela e calmas tumulares...


Sufocou-me ao prazer este sofrer tirano
À lira pura, improvisei cantares
Extravazando o meu penar insano
Em brasas de verão e frígidos luares...


Foi assim que senti dentro do peito
A musa segredar à minha alma entristecida:
- Abre as asas de arminho e pelo azul da esfera.
Deixa ficar em cânticos desfeitos
A injustiça dos maus que sofreste em vida,
Que ela renascerá em flor, na primavera!


SONETO PARA O MEU AMOR


Se de emoções a minha vida estrela
E a minha alma de encantos sonorizas,
Beijo-te aqui as puras mãos singelas,
Bebendo o bem que me prodigalizas.


Exalto a perfeição com que cinzelas
Meus versos calmos que os aromatizas
Com o perfume da graça que revelas
De um lírio casto que espiritualizas.


Bendito sejas tu, Astro-Sonoro!
Esplêndida fulgente Borboleta
Beijando a flor da Crença que enamoro!


Bendita sejas tu, Pureza-Extrema!
Que eu trago ao coração como violeta
Régia, marcando a página de um poema!


NOTURNO (Para Vicente Duarte)


O dia morre sobre as brasas do poente
E a noite, viúva do dia, 
Desce,
Toda de luto,
Lentamente,
Numa prece.


Depois
O Cruzeiro do Sul
Diante dos círios dos Gêmeos
Religiosamente,
Fulgura,
Sobre o túmulo azul
Do dia que morreu.


E a noite
Cheia de dor e cheia de aflição
Espalha as fímbrias do seu crepe
Pelas
Amplidões nostálgicas e quietas,
E, tristemente, alucinadamente
Chora as lágrimas de ouro das estrelas!


SOB A EMOÇÃO DO LUAR


De ti, abandonado, eu vivo tristemente
Revivendo esta dor que aos poucos me consome,
A dor que dilacera, a dor que, unicamente,
Vive em meu coração a murmurar teu nome.


Ingrata, para sempre ergueste em minha vida
Desta recordação o marco doloroso:
E eu vou vivendo assim - escuta amante inf'da (?) -
Longe de ti sem ter aonde buscar repouso.


Porque somente a ti - a mim mesmo deploro -
Amei: por ti somente eu louco me tornei.
Juraste seres minha e como um meteoro
Tudo passou no azul de céu que imaginei...


E assim dos olhos meus incontentado pranto
Pela primeira vez quebrou a minha calma
E, em pleno coração, eu tenho um campo santo
Onde, cheio de dor, eu sepultei minha alma!


CATEDRAL DESERTA


De recordar minha alma não termina
O que nós dois já fomos no passado!
- Tal como a aurora que se descortina,
Revejo o nosso amor, lírio adorado!


Recordo aquela aragem vespertina,
As águas do viveiro desprezado,
E o sítio calmo e doce onde fascina
Um arvoredo bom e perfumado!


O sítio!...Lá passamos horas suaves
Buscando o fruto que se desprendia
Ouvindo aqui e ali gorjeios de aves!


O sítio onde hoje o coqueiral desperta
Num tom saudoso de melancolia
Como uma catedral verde e deserta...


DEUS! 


Harmonias de tudo quanto existe
Deus é rios e prados e montanhas!
Deus é as próprias emoções estranhas
Que eu sinto, que sentiram, que sentiste...


Deus é os frutos! Árvore que sonhas,
Estrelas de ouro, Sol, oh! Lua triste,
Vos todos sois, na vida que se assiste,
de Deus as próprias líricas estranhas!


Deus: Lírico Cantor! que, Perfeição, esmera
O pássaro canoro, o murmúrio dos ventos,
Verão e outono, inverno e primavera!


Deus é o Todo. Os átomos dispersos,
Perdão e Amor, sorrisos e lamentos,
E a inspiração que brota nos meus versos!


MUDA REVELAÇÃO


Nunca me confessaste uma paixão ardente,
Nem mesmo já te ouvi de algum amor falando,
És meiga e angelical. Se acaso, conversando, 
És flor desabrochando um riso levemente.


Jamais ouvi manchar-te a boca maldizente
Que inveja o Puro e o Belo - a tudo profanando...
Sorri-te a Primavera e vais feliz sonhando
As sedas do Industão e as pérolas do Oriente.


Mas, ainda mesmo assim, tua expressão singela
À luz dos olhos teus, tão lânguidos, estrela
O oculto requeimar do fogo da Paixão...


- Se apertas minhas mãos na hora da despedida,
Coras a me fitar, confusa e comovida
Fazendo, sem querer, muda revelação...


DESPEDIDA


I


Vai! Se a Fatalidade nos separa,
Se na Terra o que é puro não floresce
Que me resta? - Sofrer!
Vendo morrer todo o trigo da seara
Desse amor que viveu como uma prece
Em brando anoitecer!...


Vai! Deixa-me em Ti pensando aqui sozinho,
E, de mágoas vencido, pelo chão,
Extertorado e exangue,
Vendo - serpente profanando um ninho -
Negro corvo deixar meu coração
Sufocado de sangue!


Vai, Meu Amor! Embora a soledade
Em que me deixas me aniquile os dias,
E eu veja, pouco a pouco,
Fugir de mim a doce mocidade
Que me deu mil tristezas e alegrias,
Por fim: - tornou-me um louco...


Ai de mim, se eu não fosse um puro esteta
Das dores miserandas que no mundo
Abatem multidões!
Sim, que sofrendo em me tornei poeta
Meu mal é tão ingrato e tão profundo
- Sou mártir das paixões!


II


A primeira que amei deixou-me - ingrata! -
Em pranto convulsivo, em desatino.
- E eu era tão criança! -
E daí minha história desata:
Comecei a perder desde menino
Minha doce Esperança!...


E caminhei assim na senda inglória
Do amor que me traz escravizado
Decantando as mulheres!...
Só espinhos colhi na trajetória
E de goivos achei-me circundado
E de cardo e malmequeres!...


Por nenhuma chorei. Somente agora
Em pranto vivo só pensando em Ti,
Que Tu amor mereces!
És a única por quem minha alma chora,
E por quem um amor puro senti!
E de mim Tu te esqueces...


III


Toda a Felicidade que eu sonhava
Desmoronou-se para sempre. Adeus!
Perdoa-me no entanto
Se eu te amo muito mais do que te amava
E se Tu vens doirar os sonhos meus
Enxugando o meu pranto!...


Ah! Sei que de mim não te esqueceste
Porque tua alma junto a mim flutua
Olhando-me tristonha.
E com carinhos que jamais fizeste
Soluça: - "Meu amor!" Enquanto a lua
No azulado sonha...


De mim não te esqueceste. Eu vivo assim
Em tua alma vagando, peregrino,
Relembrando o Passado...
E Tu vives também juntinho a mim
Como um astro esplêndido e divino
Num céu de azul talhado!


IV


Adeus! Decantarei os meus dias felizes
Que passei junto a Ti, nos meus versos de dor.
oh! Minha Doce Amada!
Que este amor não morreu se ainda sinto raízes
Prenunciando Alegria e Esplendor
e duleida (?) Alvorada!


LUAR DE INVERNO


Luar de inverno. Fria noite. Incalma
E fria noite de  luar de inverno...
A lua triste exterioriza e espalma
Toda a tristeza de um penar eterno...


Sinto frio. Na lua está minha alma.
Na lua está o meu tumulto interno...
O Céu parece
Na invernosa palma
Extravazar o meu sofrer de inferno...


A lua é triste; a noite é fria e triste...
Dize-me, oh lua! Para que surgiste
Olhando-me no meu recolhimento?


Escuta: os olhos meus são duas luas
Cheias de inverno e das tristezas tuas...
- Eles na terra; Tu no firmamento!


YOUR EYES


Há nos teus olhos vagos tons tristonhos
De tua alma saudosa da minha alma...
Teus olhos têm cintilações de sonhos
Que tornam tua vida amargamente incalma.


Teus olhos têm torturas de distâncias
Entre dois corações sublimes que se amaram...
Teus olhos têm violáceos tons, fragrâncias
De violetas que, esplêndidas, murcharam...


Teus olhos são a prova de que adoras
Este infeliz e pobre menestrel...
Teus olhos dizem que por mim tu choras,
Noites a fio, lágrimas de fel...


HORAS SUAVES


Há perfumes soltos no ar;
Perfumes embriagadores,
Tais como incensos de amores
Dispersos sobre um altar!


Morre o Dia! O Sol se esconde
Nas serranias do poente
Dando um adeus saudosamente
Aos ramos de cada fronde!


O passaredo emudece
Num silêncio de pureza
Adormece a Natureza
Balbuciando uma prece!


Num brando som que conforta
- misto de dor e harmonia -
Tange um sino a Ave-Maria
no crepe da Tarde morta!


E a Noite descendo pelas
Escadarias do espaço
Conduz a lua de braço
Acompanhada de estrelas!


O Cruzeiro, a grande cruz
De estrelas, no céu brilhando,
Sublime, está recordando
O martírio de Jesus!


Entre as folhas os cristais
Do plenilúnio luzente
Prateiam, soberbamente,
As rosas dos meus rosais!


Perfumadas horas, suaves
Horas de doces perfumes
Tauxeadas de vagalumes
- Pequenas luzentes aves!...


Para vos glorificar
Oh! Suaves horas de arminho!
Meu Amor pelo caminho,
Vem vestido de luar!...


SONETO A UMA COLEGIAL


...E não sabe quem sou! E vais para o colégio
Circundada de luz e envolvida de aromas...
Canta a areia a teus pés, oh, Nenúfar egrégio!
E o passaredo canta, ao vento, pelas ramas...


Águas, flores e tudo, o próprio céu inflamas
Quando passas ligeira...E um murmúrio régio
Sonoriza o esplendor de esplendor que derramas,
Oh, Santa! a cujo altar não mancha o sacrilégio...


E não sabes quem sou! Eu sei quem és. Espera...
Talvez sejas tu mesma e estejas meditando:
- Qual será a mulher que esse poeta eleva?


Quem és, eu não direi! Direi que és Primavera.
Direi mais que por ti passo as noites sonhando;
Que por ti a minha alma em gorjeios se eleva!...


NO MEU NATALÍCIO (Para Alcides Pessoa)


Um ano a mais completo de existência.
Chovem-me cartas, parabéns e rosas...
- "É ouro e azul a tua adolescência, poeta!
Em teu peito há notas harmoniosas
De uma lira divina!"


Dizes: aos meus ouvidos reclinando
A tua boca morna e purpurina;
Depois, aos olhos meus um beijo dando,
Juntas à minha, a tua mão franzina
E o céu olhando.


Pedes a Deus, em prece ardente,
Que a minha vida vá se eternizando!


No entanto, oh, meu amor! eu sinto uma dor ingente:
Um ano a mais?! São dobres em meu peito...
Dobres de um sino lúgubre e plangente;
São mil fragmentos de um ideal desfeito
Arrebentando, inexoravelmente,
As cordas, uma a uma.


Deste meu coração de sonhador...
E eu vejo pouco a pouco, em fria bruma, 
O resplendente sol do nosso amor
E os olhos meus sem expressão nenhuma...


Um ano a mais?! São passos de agonia,
- Carreira louca para a Eternidade...
São lágrimas de dor...a lage fria...
A sombra de um cipreste e...uma saudade...

MULHER!



Mulher! Carne, esplendor e sensações e crime...
- Derradeira criação santíssima do Eterno...
Manhãs quentes de sol...Noites frias de inverno;
Asa rósea de amor que nos liberta...e oprime...


Corola aurifulgente onde espuma o falerno
Do Gozo e da Paixão, esplêndido, sublime...
Agigantado caos que a Musa não exprime
Onde ferve o pecado em convulsões de inferno...


Eu sou filho do Amor! Desejos me consomem
Deixando no meu ser pecados mil dispersos
- Que eu bebo na mulher o orgulho de ser homem!


Mulher! Deusa e Satã, carinhos e molejos...
És Desespero e Paz abrindo nos meus versos
Suavidades de Dor e martírios de Beijos! 


AMANHECER (Para Domerina Correia, sinceramente)


Desperta a Natureza. As árvores frondosas
Sacodem, levemente, a frança esmeraldina:
Atavia-se o céu de cores majestosas
Enquanto na ramada a passarada trina!


Da noite o frio orvalho entreabriu as rosas!
Bailam abelhas de ouro. A Aurora purpurina
Sublime desce, enquanto as mãos de Deus, radiosas
Abrem constelações de lírios, na campina!


É tudo festa e riso, amor, beleza e canto!
- Asas cortando o espaço azul e mal desperto
que, da noite, ainda sente o pavor do seu manto!


E vibra em tudo Deus! Nas árvores bizarras
Rompe de quando em quando harmonioso e perto
A cantiga sonora e ardente das cigarras!


PRIMAVERA


É festa a Natureza! O céu azul se arqueia
Deixando resvalar a fonte resplendente
O Sol no alto vagueia encantadoramente
Forrando de ouro e luz a cristalina areia!


É perfume o espaço. O vento psalmodia.
Gorgeiam saltitando os ternos passarinhos,
Pelos galhos em flor dependuram-se os ninhos.
- Rebenta em cada canto estrofes de harmonia!


...E a primavera canta em nossas almas, louca:
- É um hino a tua voz: os teus beijos, abelhas
De ouro voluteando às pétalas vermelhas
Da tua morna e perfumada boca!


- É meu peito um jardim desabrochado em rosas
Onde, tu, borboleta, as asas tatalando
Vive dando o fulgor da tua graça e dando
Oh! Sílfide! Poesia em harpas misteriosas!


- Como tudo: impelido aos místicos lampejos
A nossa carne vibra em gozos mil, dispersos...
- A Primavera és tu, viverás nos meus versos!
- Eu sou um sonhador, viverei dos teus beijos!


EVANGELHO


Dores, paixões, acerbo desengano
Mágoas e prantos, sofrimento eterno,
Tudo o que torna o pensamento humano
Em noite escura de medonho inverno.


Deixa passar...Altivo e soberano
Fecha os ouvidos ao tumulto interno
E, em taças de ouro, de um prazer insano
Bebe, sorrindo, dúlcido falerno...


Como a palmeira altiva que se apruma
Forte; rompendo os temporais e a bruma
Apenas lentamente se embalança.


Deixa que corra assim amarga a vida;
Busca o esplendor da Terra Prometida,
Pois que a Ventura em lágrimas se alcança!


NINHO DESERTO


Em ti eu penso e, assim em ti pensando,
Vejo o contraste que entre nós existe;
- Eu tão longe de ti assim chorando;
- E tu alegre por me veres triste...


E eu ainda te amo...O amor que não sentiste
Guardo aqui no meu peito; e um dia, quando
Conheceres que a mim, louca, feriste
Cheia de dor voltares soluçando.


Verás que o meu amor imorredouro
Enramar-se-á de novo perfumado
De lindas flores e de frutos de ouro...


E aves hão de cantar sobre a fronde alfaneira
Saudando a volta ao Ninho do Passado
Da boa e arrependida companheira!


IMORTAL


Palpitarei, vagando, em toda a parte
À evolução intérmina dos anos,
Sofrendo por profundos desenganos
Fruídos pelo gosto só de amar-te.


Exalçando os desejos soberanos
De Calma e Crença, de Beleza e de Arte
Gozando os beijos que, só por beijar-te,
Deram-me à carne a febre dos profanos.


Morrerás! Viverei eternamente
No céu, no mar, no túmulo, na flor,
No gorjeio do pássaro inocente.


E em cada peito que chorar de dor,
Eu estarei amarguradamente,
Ainda pensando no teu amor!


NÓS


Dos beijos que te dei louco de amor
Dos beijos que fingindo amor me deste
Sinto-me além do páramo celeste,
Ouves, apenas, dúlcido rumor...


Todo esse amor recordarás sorrindo
Recordarei todo esse amor chorando,
Tu vives dentro do Prazer cantando,
Eu choro as páginas da Amargura abrindo...


Seguimos dois caminhos diferentes:
Tua estrada tem flores e diamantes,
Enquanto a minha, espinhos perfurantes
Formam coroas de penais ingentes.


A Vida só contraste em si encerra:
- Bebes o doce vinho da Ventura,
E eu vou sorvendo o cálice de amargura
No exílio em que me estorço aqui na terra.


MENTIROSAS


Mentirosas! - Disseste. Mentirosas!
- Disse eu também. No entanto, persistindo,
Elas clamavam...(Desfolhadas rosas,
Emurchecidas de um passado lindo...)


Eram cartas de amor saudosas e frementes;
Traçadas em anseios, em desejos...
Eram palavras sôfregas, ardentes,
Implorando a carícia dos meus beijos...


Relembrando, infelizes, tempos idos
De felizes Primaveras!
Por entre reticências de gemidos
Reerguendo pálidas quimeras...


E as noites de luar...as noites de esplendor
Onde sensuais, às nossas bocas,
Vibravam beijos, mil numa explosão de amor,
As harpas do desejo em serenatas loucas...


- Mentirosas!...E eu disse - Mentirosas!
Para acalmar o teu ciúme;
Porém eram verdades amorosas
Aquelas cartas cheias de perfume!


ARREPENDIDA


Choras? Bem noto no teu rosto o pranto
Embora ocultos os teus olhos tragas!
Dores e dores não se dão por pagas
Pois tantas dores me causaste, tanto.


Que dia a dia só com pensar me espanto
De tanta ingratidão...Debalde afagas
Os meus cabelos que as profundas chagas
Comigo, juro, morrerão no entanto!


Deixa, mulher, que, da existência, o Fado
Cumpra-se, embora como um triste errante
Olhes saudosa para o teu passado...


Não me perturbes se não mais te quero:
- Contém veneno o teu olhar brilhante;
- Da boca tua só mentira espero!


Um Ano!


Faz hoje um ano! Lembras-te que em pranto,
Ajoelhada a meus pés, a fronte erguida,
Cabelos soltos como um negro manto
Imploravas por Deus, por minha vida?


Com o olhar tão puro suplicante e santo
Que eu com a boca de febre ressequida
Já não podendo resistir a tanto
Perdoei vencido pelo amor, querida?


E nunca mais o arrufo impertinente,
Nesclo intrigante de amorosa trama,
Crestou-nos da Paixão a flor ardente!


E hoje enlaçado aos braços teus, morena,
Beijo-te a boca rubra que derrama
Sensual odor que as carnes me envenena!


DESEJOS


Quem me dera que eu fosse, oh! meu divino enleio!
O vestido suave e leve que tu vestes?
Para afagar o teu corpo e cingir o teu seio
Onde brincam com ardor dois pássaros celestes?!


Quem me dera que eu fosse um dia, um dia apenas
Essas meias de seda e de fino rendado?
Para apertar, meu Amor, tuas pernas morenas
E beber sensação delas sensualizando?


Tuas ligas? Ah! Quem me dera que eu as fosse!
Ligas de caro odor e de fios vermelhos...
- Oh! Como eu fruiria uma existência doce
Além das virginais curvas dos teus joelhos!


Quem me dera que eu fosse o libertino vento
Para envolver-te a cantar numa volúpia louca
E os teus olhos beijar de momento a momento
E beijando teu corpo alcançar tua boca?


Ah! Quem me dera, enfim, ser um dia o teu leito
De uma quadra de luar, num brando anoitecer?
Para sentir sobre o meu o calor do teu peito
E perene, cantar a glória de viver!


PARA QUANDO EU MORRER


Quando a minha alma o corpo desprezando
Librar-se para o Além, para os espaços;
Quando não mais sentires os meus braços
Os teus macios braços apertando...


Quando os meus olhos gélidos e baços
Não mais poderem ver-te, Amor, e quando
Rotos da vida, enfim, os suaves laços
Da morte, o templo, eu for saudoso entrando...


Depois do meu enterro, em meu jazigo
Planta um viride galho, sem espinhos
E, que árvore, dê sombra e dê abrigo.


E, calma aos céus, exale as minhas dores
Pelo cantar de todos passarinhos
E pela fronde arrebentada em flores.


BÍBLICA DO BEM (Para Maria José de Souza)


Ri menos! Que o teu riso descuidado
Faz nos vis despertar a vil cobiça.
De homem não sei que sobre-lhe a justiça
De enaltecer-te desinteressado.


Teu riso é como o lírio que enfeitiça
Abrindo o cálice dúlcido e nevado.
Poema de luz sublime, imaculado!
Dialeto mudo de expressão castiça!


Precavem-te que os maus sobram, enquanto
Os bons raream. Ri! Porém se queres
Viver tranquila e te livrar do pranto.


Toma cuidado, oh! flor ainda menina!
Que o Amor traiçoeiro entoa misereres
Para a profanação da carne que fascina.


SEGREDO


Um segredo...Ido amor...Todo o passado
Foi para mim estrada tortuosa.
- Ainda hoje eu sou um resto amargurado
Vagando pela senda tenebrosa...


Minha felicidade vaporosa
Fez-me do Amor um crente apaixonado:
- Enlutaram-me os sonhos cor de rosa...
- E eu amo tanto e nunca fui amado!


Um segredo de amor...Sabê-lo-ás
Quando os meus olhos se fecharem baços
E para sempre não se abrirem mais...


Um segredo...e tu és meu novo amor!
Talvez que eu possa em teus divinos braços
Achar um lenitivo à minha dor!


REVOLTA (Para Theonas Bandeira)


Eu clamo aqui revolto e em fogo aceso
Toda a miséria dos desventurados
Que sem luz e sem pão sofrem desprezo
Dos venturosos e dos portentados.


Eu tenho agora o pensamento preso
Ao meu destino irmão dos desgraçados
E, ficando a cismar, o menosprezo,
Fome e nudez, prevejo aos nossos lados!


Precisamos reagir! Mas como? Crê:
Demos ao Povo a carta do A-B-C,
Veremos que esta é a força mais terrível!


A Letra é o nosso Sol! Nossa Vitória
Então há de fulgir nas páginas da História
Como barreira mais que intransponível!


ÚLTIMA PÁGINA


Bendita sejas tu, oh, boa amiga!
Em cujo doce seio no remanso,
Cansado de lutar em vão na vida,
A minha fronte pálida descanso!


Se, para trás, o pensamento lanço
Ao férreo impulso que uma lei me obriga
À pura paz que vem de ti, alcanço
Adormecer um pouco a mágoa antiga.


Bendita sejas tu, lírio celeste!
Que ao fatal amargor dos meus ressábios,
Um mundo novo e apetecido deste!


Bendita sejas tu, onde eu, sorrindo,
Colho ao rosal purpúreo dos teus lábios
Rosas de beijos que se vão abrindo!


SALOMÉ


Oh, doce Salomé, de olhos da cor dos céus
Que me pedes amor em meus braços chorando!
Se em orgias colheste impureza e labéos
- Hoje, purificada, altiva-te cantando!


Não te amou Yokanaan naqueles tempos, quando
Disputavas sorrindo os lúbricos troféus
Mas já que ressurgiste os ares perfumando
Baila só para mim dentro dos sete véus.


Baila só para mim! Pelo solo, dispersos
a teus pés deitarei mil perfumes e flores
Orientais e, também, os meus líricos versos.


Se és minha, oh, Salomé! Felicidade tanta
Nem mesmo eu pagarei se, na salva de amores,
Eu sorrindo deixar cortarem-me a garganta!


ARREPENDIMENTO


Insensato que fui. Louco momento
Que arrebatado pelo teu olhar
Deixei nascer à boca o juramento
De a ti, mulher, eternamente amar!


Antes no peito meu ecoasse lento
Da parca fria o fúnebre cantar,
Que transformar meu coração sedento
De um puro amor num santo e lindo altar.


Foste mais uma rosa que de beijos 
Suavizei; que teci doces carinhos
Em louca sensação de vãos desejos.


Mas, que depois de febre e gozo cheio,
Senti nos lábios, tétricos espinhos,
Àspide vil empeçonhar-me o seio.


VELA AO MAR (Para Celina Lima)


Vela panda, ligeira, a imensidade
Do salso e verde mar sempre cortando,
Um porto amigo muito além buscando
Para a conquista da Felicidade;


Mas que, do porto, já se aproximando,
Falece a luz e nasce a tempestade
E, pouco a pouco - que fatalidade! -
Naufraga, vai às praias rastejando...


Eis o que eu tenho sido em minha vida:
Branca vela também sempre colhida
Por uma tempestade interior...


De balde busco o porto do meu sonho.
- Não desespero ante o sofrer medonho
Que não sofre quem sofre por amor!


AMARGURA


Vês? Ai! Não vês! Gravado neste almaço
Minha alma está e está meu coração
Ambos unidos num profundo abraço
Chorando uma só dor numa só emoção!


Ambos de luto. Crepes em regaço
Aqui se espalham; e uma procissão
Conduz, estas estrofes que a ti faço,
Morta, morta de dor, minha doce ilusão...


Aqui tudo é tristonho e solitário,
Nestes versos está o meu calvário
Sob as trevas de um céu todo cerrado...


Tudo é inverno. Somente a imagem tua,
Angélica e divina como a lua,
Brilha neste soneto amargurado!


VESPERAL


Tarde! Do sol, no ocaso, o disco já coberto,
Apenas deixa ver a luz dos raios, langue;
- Como flechas de fogo em meio do deserto,
Cravando na amplidão as setas cor de sangue!


À fronde boliçosa e enorme o arvoredo,
Como um saudoso adeus ao dia que fenece,
Pipila, recolhido, o terno passaredo;
Murmura lentamente, o rio, a sua prece...


E, brancas, pelo espaço, as nuvens vão-se esparsas.
Vão-se ligeiras pela infinita soidão
Como velas ao mar ou pressurosas garças
Que, cheias de saudade, em ânsia, aos ninhos vão.


Das flores, no ar, se evola o dúlcido perfume,
No altivo palmeiral Eolo canta e suspira...
- Vale invisível que, de paixão e ciúme,
Evoca o seu amor à branda e verde lira.


E, enquanto o sol declina à profundez do poente
Buscando do outro lado a face de outro céu,
Viúva do Dia, além, nos declives do Oriente,
A Noite se apresenta envolta em outro véu.


E Deus acende, então, as místicas estrelas
- Hóstias soltas no altar do vastíssimo do azul;
E em sublime harmonia às coisas puras, belas,
Religioso fulgura o Cruzeiro do Sul!


OUTONO


Num torvelim de espumas de pérolas, ligeiras,
Sobre o dorso do rio,
Passam, boiando, folhas amarelas...
Rodopiando...voluteando...
- Como cadáveres de passados sonhos
De uma primavera que passou...


E a alma da límpida correnteza
Chora uma sinfonia cadenciada.
Um murmúrio 
De tédio, de ânsia e de tristeza...


...E passam mortas folhas amarelas,
Rodopiando, voluteando...


- Olho-as e penso que, mais tarde,
Quando o outono branquear os meus cabelos
Eu irei - pálido poeta -
Como as folhas amarelas...
Rodopiando, voluteando...
Para o abismo fatal, sem estrela e sem norte
Ao léo da sorte...ao léo da sorte...


Assim pensando
Gemo, soluço e choro, então, querida,
Receoso de deixar o inferno real da vida
Para habitar o paraíso místico da morte!


RIO DE MÁGOAS


Eu tenho dentro de mim um rio aceso
De vulcânicas mágoas infinitas
Onde se agita, por correntes, preso
O negro barco das paixões malditas.


Sinto cheio de dor, vagas aflitas
Neste meu coração pobre, indefeso
Do amor que recordando as mil desditas,
É a vertente que gera o rio aceso...


Vivendo assim, não mais vejo ao nascente
O ressurgir da aurora resplandecente
Tingindo de ouro e luz a madrugada;


Vejo, sim, invernoso céu sombrio
Curvado sobre o estuário desse rio
Cobrindo minha alma amargurada.


À MINHA MÃE


Aureola-te a cabeça a neve em fios
No outono da existência transitória;
Tu que foste a cigarra dos estios
Em cantos de prazer, amor e glória!


Hoje, cansada, guardas na memória
Os hinos da saudade! Os amavios
Da primavera morta; E merencória
Sentes no peito a gelidez dos rios...


Minha mãe! Tu que sofres! Entretanto,
Para nos dar, tens sempre com fartura
Um doce riso em vez de acerbo pranto!


És astro a derramar bênçãos e brilhos!
Ter mãe é possuir maior ventura!
Oh, mãe! És a riqueza dos teus filhos!


VENCEDOR (Para Gabriel Tavares)


Só não vencem na vida os fracos e oprimidos
Que desanimam logo às primeiras derrotas;
Considerando, em pranto, as esperanças mortas
Arrancando, do peito, o furor dos gemidos!


Mas vence aquele que, deste aeroso e forte,
Encontra na derrota a razão de vencer.
E, se morto cair, ainda mesmo a morrer
Vai crente de encontrar a vitória na morte.


Oh, homens! Que pedis a morte prematura
Para acalmar a dor que vosso peito esmaga!
Se sofreis por amor, buscai pensar a chaga
À luz de uma ilusão que também é ventura!


Sofrei sorrindo. À cruz de vossa dor
Bebei o fel, enquanto o coração exangue
Coteja sangue, e às mãos deixai correr o sangue
Mas não desanimeis sofrendo por amor!


FLOR ESQUIVA (Para Iracy T. Correia, respeitosamente!


Negas-me tudo! Dize, se quiseres,
Que eu sou um louco ardendo em fantasia
Atira-me no rosto, os mal-me-queres
Da tua ingênua e dúlcida ironia!


Não direi que possues a hipocrisia
Que é a virtude de todas as mulheres.
Dá-me a flor do desdém e da apatia
Que eu bendirei a tudo que me deres!


Amo-te! Embora me odiando, vivas
Mais meu amor se abrasa e avoluma
Na crença de alcançar os meus desejos.


Oh! Faze-me feliz, Flor das esquivas!
Torna imortal minha alma ardente numa
Noite de luar colhendo um dos teus beijos.


PRIMAVERA INTERIOR


Como num furvo tremedal imundo
Onde pululam áspides somente.
Rebenta em verde hastil, a flor nitente,
Donde se evola, suave, odor profundo...


Ou como o cardo agreste que, inclemente,
Preso de espinhos, deixa ver, ao fundo,
Lindo e vermelho fruto resplendente,
Tornando um seio mau, belo e fecundo...


Assim, também, surgiste em minha vida
Como o fruto do cardo e a flor nitente...
Eu, cuja alma por áspides ferida


Mal me tornei às presas venenosas,
Mas que tu vais, aos poucos, docemente,
Tornando-a amor em pétalas de rosas!


CARNAVAL (Para Antônio Faria)


Vejo nas ruas a alma delirante
De um povo inteiro que, esquecer, procura
Em risos que são bem, o peito soluçante:
a vida atroz, a dor, a sepultura...


Rodopiam as cores...Delirante.
Rebenta em tudo a falsa e vão ventura...
Oh! Suprema alegria de um instante
Que nos disfarça a túrbida amargura!


Nessa metamorfose de três dias
Em que as almas unidas vão fingindo
Ver luz brilhante em intensa escuridão...


Eu sofro alegremente as nostalgias
E em risos vou compondo o meu poema infindo
Ditado pela dor que vem do coração!